Onipresença Digital: A Utilização das Telas na Infância e Juventude
Um chamado urgente aos pais, professores e gestores escolares.
Os últimos episódios de Blumenau (SC) e Cambé (PR), onde crianças e adolescentes foram tragicamente mortos ou feridos em abril e junho de 2023 respectivamente, nos fazem dar um passo atrás e pensar para onde as mentes e corações de nossas crianças e adolescentes estão indo. Quando a minha geração foi educada tínhamos sim o assédio das telas digitais, como televisões e videogames, mas, nada comparado a possibilidade contínua de um telefone móvel na mão com acesso a internet 24 horas por dia, 365 dias por ano.
Segundo o neurocientista cognitivo Francês Michel Desmurget, autor do livro: a fábrica de cretinos digitais (2021), essa onipresença digital tem oferecido:
➤ Constante bombardeio perceptivo;
➤ Desmoronamento das trocas interpessoais (especialmente intrafamiliares);
➤ Perturbação tanto quantitativa quanto qualitativa do sono;
➤ Amplificação das condutas sedentárias;
➤ Insuficiência de estimulação intelectual crônica.
Para Desmurget (2021) os jovens de hoje são a primeira geração da história com um QI inferior ao dos pais. Isso está diretamente relacionado ao tempo de exposição dessas crianças e adolescentes às telas. Em média, crianças de 2 anos passam quase três horas por dia em frente às telas; crianças de 8 anos, cerca de cinco horas; e adolescentes, mais de sete horas. Isso significa que antes de completar 18 anos, nossos filhos terão passado o equivalente a 30 anos letivos em frente às telas, ou, se preferir, 16 anos de trabalho em tempo integral. Para combater essa difícil realidade o pesquisador elencou sete regras fundamentais para o uso recreativo das telas:
Sete regras fundamentais para o uso recreativo das telas
O médico psiquiatra Caio Abujadi costuma falar em suas palestras que não são somente os pais que educam seus filhos no cenário social contemporâneo, pois a intervenção da internet é inequívoca. Quando éramos crianças nossos pais nos falavam: “não frequente determinado ambiente ou não se relacione com determinado grupo ou pessoa, pois isso poderá trazer determinada consequência”. Hoje, através da internet recreativa é possível frequentar diferentes ambientes, com diferentes pessoas, sem haver um regramento adequado para a faixa etária do usuário.
Por outro lado, nós adultos, muitas vezes, também usamos as telas de forma inadequada e excessiva e não estamos sabendo reverter essa lógica a ponto de mudar a rotina de toda a família, já que acabamos dando o exemplo inadequado. Se a palavra move e o exemplo arrasta devemos buscar uma excelência de conduta que exemplifique o que é o correto e o correto é uma rotina com mais movimento físico e menos tela. Precisamos inverter essa lógica cruel que tem ampliado exponencialmente os problemas de saúde de toda população mundial.
No livro: saúde é prevenção (2022), os médicos Gilberto Ururahy e Galileu Assis abordam de forma clara como os pais ainda relutam em admitir que estão dando um mau exemplo aos filhos. Um recente levantamento da ONG americana Common Sense Media, com 1.786 adultos (com filhos de 8 a 18 anos), revelou que 78% dos entrevistados acreditam que são bons modelos de como seus filhos devem utilizar a tecnologia digital. Na concepção de pediatras, o uso precoce de jogos eletrônicos, mídias sociais e aplicativos aumenta o risco de uma criança ou adolescente sofrer de problemas de saúde, com reflexo em sua vida adulta.
O costume de ir se deitar fazendo uso das telas também tem sido um fator que influencia negativamente o comportamento dos alunos no ambiente escolar. Ao se deitar com o telefone celular as crianças e adolescentes estão informando ao cérebro através da luminosidade que entra pelo globo ocular que está de dia e não é hora de dormir. Assim o nível de excitação sobe e o sono que deveria ser reparador torna-se superficial.
As mídias sociais, como Facebook, Instagram, Youtube e Whatsapp, agravam a situação, devido à luz azul dos dispositivos eletrônicos. O acesso ao universo digital se amplia, chegando hoje a mais de 4 bilhões de pessoas no mundo. A média de tempo na Internet é de seis horas por dia, com nove horas e 14 minutos no Brasil, segundo relatórios dos sites de monitoramento We are Social e Hoot Suite.
Quando o sono é cronicamente alterado, o conjunto de nosso funcionamento cognitivo, emocional, fisiológico é negligenciado. Veja na tabela abaixo, segundo Desmurget (2021) os efeitos que ocorrem a partir da má gestão do sono (as flechas↘ significam diminuição e ↗ aumento – assinalando o efeito de um sono longamente perturbado e/ou insuficiente sobre a função considerada: por exemplo: ↘ diminuição das faculdades de atenção e ↗ aumento do risco de obesidade).
Efeitos da má gestão do Sono
Tenho feito palestras em escolas para educadores onde abordo a temática da onipresença digital em nossas vidas.Sempre realizo dinâmicas perguntando à plateia quais os momentos do dia que obrigatoriamente nossos filhos e/ou alunos ficam distantes do telefone celular. Então, começam as mais diferentes respostas como: no banheiro, na escola, dormindo, comendo, fazendo esporte ou praticando alguma atividade física.
As respostas: no banheiro (até no banho, por incrível que pareça), comendo e na escola são facilmente desmoralizadas pois, fica rapidamente claro que são locais de intenso uso de telefones celulares. Portanto, sobram: dormindo e fazendo esporte ou praticando alguma atividade física. A resposta dormindo tem logicamente 100% de aceitação e a resposta fazendo esporte ou praticando alguma atividade física tem aproximadamente 95% de aceitação, pois seria quase inconcebível uma criança nadar, pedalar, dançar ou jogar queimado usando um telefone celular.
Fica claro para todos ao final da dinâmica que fazer esporte ou praticar alguma atividade física é uma das condutas mais importantes para combatermos o cenário atual de sedentarismo, obesidade e uso inadequado das telas recreativas. Para tanto precisa prevalecer entre educadores e sociedade em geral um pensamento que favoreça e coloque o movimento como um personagem prestigiado no dia a dia de todos.
Nas escolas deve haver ampla oferta de atividades curriculares e extracurriculares que envolvam o movimento humano com gasto calórico. As melhorias cognitivas também são amplamente privilegiadas nas crianças e adolescentes que conseguem inserir o movimento em suas rotinas diárias. No ambiente familiar um planejamento que envolva menos sofá, menos tela e mais passeios ao ar livre, parques, praias, montanhas, lagos, cachoeiras e tudo mais que coloque todos os membros sob a perspectiva do convívio e do movimento humano.
Estudo na Tese de Doutorado
Na minha tese de doutorado no Instituto de Psiquiatria (IPUB) em parceria com a Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), comparamos adolescentes ativos que nadavam pelo menos 1 hora e 15 minutos de segunda a quinta com o mesmo número de adolescentes sedentários da mesma série e do mesmo grupo de ensino em três unidades diferentes no estado do Rio de Janeiro. Na grande maioria dos casos os ativos tinham notas quantitativas melhores e melhor velocidade de reação. Na minoria dos casos a velocidade de reação era superior nos ativos e nas notas qualitativas houve empate. Assista o filme que ilustrou a pesquisa no link abaixo.
Programa Saber Viver (Acadêmico Alimentar Esportivo) – Colégio Santa Mônica
Há 12.000 anos o homo sapiens fez a revolução agrícola onde deixamos progressivamente de ser caçadores-coletores para nos tornarmos agricultores. Geneticamente falando isso já foi um grande baque para nosso corpo, pois, passamos a nos movimentar muito menos do que os caçadores-coletores que tinham um gasto calórico diário absurdamente maior. Com a revolução industrial a 200 anos atrás, o nosso corpo sofreu um segundo grande impacto cultural, deixando de se movimentar ainda mais. Até os dias de hoje estamos pagando um preço muito alto por termos abandonado nossa essência, mas podemos reverter esse quadro começando uma revolução calma e pacífica dentro de nossas próprias casas e escolas.
Comece seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) que preconiza um mínimo de 150 minutos por semana de atividade física para adultos, podendo evoluir para 300 minutos semanais e chegar a um patamar de excelência. Para crianças e adolescentes dos 5 aos 17 anos a recomendação é de 60 minutos de atividade física por dia. Essas diretrizes podem ser atingidas progressivamente com planejamento e dedicação. Quando menos esperarmos nossos filhos e alunos estarão realizando 420 minutos por semana, o que é extraordinário.
Vamos nessa? Chegou a hora de implantarmos essa nova revolução de saúde e bem estar e mudar o cenário de sedentarismo que vem prejudicando não só brasileiros, mas toda humanidade. Está em nossas mãos.
Dr. Bruno Castro – CREF 172-G/RJ
Doutor em Educação Física pela UFRJ (IPUB/EEFD);
Diretor de Esporte e Cultura do Colégio Santa Mônica;